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Polilaminina: entre a esperança e a evidência – uma análise crítica para farmacêuticos

Polilaminina: entre a esperança e a evidência – uma análise crítica para farmacêuticos

Nos últimos dias, o universo da saúde no Brasil foi impactado por uma notícia que carrega o peso da esperança para milhares de pessoas: a Polilaminina, um novo medicamento desenvolvido pelo laboratório Cristália em parceria com a UFRJ, anunciado como uma terapia revolucionária para lesões medulares. As manchetes são promissoras e a comoção, compreensível. Contudo, para nós, farmacêuticos, a empolgação inicial deve ser rapidamente sucedida por um olhar técnico e um questionamento: o que as evidências científicas realmente nos dizem até agora?

Nosso papel, como guardiões da ciência do medicamento, é ir além do marketing e analisar os fatos com o rigor que a profissão exige. E, neste caso, a análise revela um cenário muito mais preliminar do que o alarde sugere.

“Press release” (comunicado à imprensa) sobre a polilaminina, divulgado pela Cristália na segunda semana de setembro.

Desconstruindo o estudo: o problema do desenho aberto e a ausência de um comparador

O ponto central de nossa análise crítica reside no desenho do estudo clínico realizado até o momento com pacientes humanos. Segundo as informações divulgadas, trata-se de um estudo de desenho aberto e de braço único, ou seja, sem um grupo comparador concorrente.

O que isso significa na prática?

  1. Estudo aberto (open-label): tanto os pesquisadores quanto os pacientes sabiam qual intervenção estava sendo administrada. Isso introduz um viés significativo de expectativa. O conhecimento de estar recebendo uma terapia inovadora pode, por si só, influenciar os resultados relatados e a percepção de melhora (efeito placebo).
  2. Braço único (sem grupo controle): esta é a limitação mais crítica. Não houve um grupo de pacientes com características semelhantes que recebesse um placebo ou o tratamento padrão (neste caso, fisioterapia intensiva isolada). Sem um grupo controle, é cientificamente impossível afirmar que as melhoras observadas nos pacientes foram causadas diretamente pela Polilaminina. A recuperação, parcial ou total, poderia ser atribuída a uma série de outros fatores, como a própria capacidade de regeneração do corpo em lesões agudas, a eficácia da fisioterapia intensiva que se seguiu, ou a combinação de ambos.

Em suma, um estudo sem um grupo comparador pode levantar hipóteses e sugerir segurança, mas não nos permite tirar conclusões robustas sobre a eficácia de um medicamento. A pergunta “o paciente melhorou por causa do medicamento ou ele melhoraria de qualquer forma?” permanece sem resposta.

A longa jornada regulatória: ainda na estaca zero dos ensaios clínicos robustos

O fato mais contundente, e que parece ter se perdido em meio ao entusiasmo da mídia, é que a Polilaminina ainda aguarda autorização da ANVISA para iniciar o estudo clínico de Fase I.

É imprescindível que nós, farmacêuticos, tenhamos clareza sobre o funil de desenvolvimento clínico para podermos orientar corretamente pacientes e outros profissionais de saúde:

  • Fase I: o objetivo primário é avaliar a segurança do novo medicamento em um pequeno grupo de voluntários. Testa-se a toxicidade, a faixa de dose segura e como o corpo processa a substância. A eficácia é, no máximo, uma observação secundária e muito preliminar.
  • Fase II: o medicamento é administrado a um grupo maior de pacientes para avaliar sua eficácia preliminar e continuar monitorando a segurança em curto prazo. É nesta fase que se começa a ter uma ideia se a terapia realmente funciona para a condição proposta.
  • Fase III: esta é a fase decisiva. São estudos de grande escala, multicêntricos, frequentemente randomizados e controlados com placebo ou tratamento padrão (o padrão-ouro da evidência científica). O objetivo é confirmar a eficácia, monitorar efeitos adversos e coletar informações que permitirão que o medicamento seja usado de forma segura.

A Polilaminina ainda não começou nem a primeira dessas três etapas fundamentais. A jornada para que se prove um tratamento seguro e eficaz é longa, cara e, infelizmente, com uma alta taxa de insucesso.

Reflexão para a prática farmacêutica: nosso papel é ser a voz da razão

O caso da Polilaminina é um exemplo perfeito da tensão entre a comunicação científica, o marketing da indústria farmacêutica e a esperança do público. Para os pacientes e suas famílias, notícias como essa são um farol de esperança. Para a indústria, é uma vitrine de inovação. Para nós, deve ser um objeto de análise criteriosa.

Nossa responsabilidade é:

  • Não replicar o sensacionalismo: entender e comunicar que se trata de uma fase extremamente inicial de pesquisa.
  • Gerenciar expectativas: explicar a pacientes e leigos o que significam as fases de um estudo clínico e por que elas são importantes.
  • Promover a literacia em saúde: usar nosso conhecimento para traduzir a complexidade da pesquisa clínica, diferenciando hipóteses de fatos comprovados.

A pesquisa nacional merece todo o nosso apoio e celebração. A parceria entre a UFRJ e a Cristália é um marco importante. Contudo, celebrar o potencial não pode se confundir com atestar uma realidade clínica que ainda precisa ser construída e rigorosamente comprovada.

Vamos aguardar os resultados dos estudos de Fase I, II e III. Vamos torcer para que os dados sejam positivos e robustos. Mas, até lá, nossa bússola deve ser a ciência, e nossa voz, a da prudência e da análise crítica.

Autora: Larissa Alana, farmacêutica e professora, possui experiência em indústria farmacêutica, drogarias de grandes redes, Unidades de Pronto Atendimento (UPA), hospitais e Ministério da Saúde. É mestre e especialista em Farmácia Hospitalar, Clínica e Oncologia.

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O Autor

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