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Dia da Farmácia: entre o orgulho histórico e a urgência do futuro, o que nos resta comemorar?

Dia da Farmácia: entre o orgulho histórico e a urgência do futuro, o que nos resta comemorar?

Hoje, 5 de agosto, o Brasil celebra o Dia Nacional da Farmácia. Uma data que, em sua essência, deveria ser marcada pelo orgulho e pela celebração de uma das profissões mais antigas e essenciais para a saúde da humanidade. No entanto, para a vasta maioria dos mais de 400 mil farmacêuticos brasileiros, o sentimento que paira no ar é de uma inquietação profunda. Com mais de 800 faculdades de farmácia credenciadas pelo MEC formando novos profissionais em ritmo acelerado, a pergunta que se impõe de forma contundente é: olhando para o nosso presente, o que exatamente estamos comemorando?

Nossa herança é nobre. A gênese da farmácia como profissão distinta da medicina, selada pela Constituição de Melfi em 1240 pelo Imperador Frederico II, representou um dos primeiros pilares da segurança sanitária no mundo ocidental. Fomos nós, na figura dos boticários, os detentores do conhecimento arcano das plantas, dos minerais e das técnicas de manipulação. As boticas eram santuários de cura, e nossa sabedoria era o elo vital entre a enfermidade e a esperança. A revolução industrial e o surgimento das especialidades farmacêuticas nos transformaram. Deixamos de ser primariamente formuladores para nos tornarmos especialistas no medicamento, migrando para a indústria, os laboratórios de análises clínicas, os hospitais e, massivamente, para as farmácias e drogarias que se espalharam por todo o país.

Conquistamos avanços, é inegável. A implementação do primeiro serviço de Farmácia Clínica em um hospital universitário no Rio Grande do Norte, pelo visionário farmacêutico Tarcísio Palhano em 1979, foi uma semente plantada para a nossa atuação mais nobre: o cuidado direto ao paciente. Contudo, a própria história dessa conquista revela nossas fraquezas: levamos 34 anos para que a Resolução nº 585 do CFF, em 2013, viesse a regulamentar as atribuições clínicas. Uma geração inteira de atraso. Mais recentemente, a Lei nº 13.021/2014 foi um marco legislativo, reconhecendo a farmácia como um estabelecimento de saúde. No papel, uma vitória monumental. Na prática diária, para muitos, uma realidade ainda distante, uma fachada que esconde a precariedade.

Acúmulo de derrotas e a desvalorização crônica

Enquanto celebramos esses marcos, um olhar honesto para a nossa trajetória revela um campo minado de perdas significativas. A área de Análises Clínicas, antes um bastião da atuação farmacêutica, foi sendo silenciosamente cedida para outras profissões, como a Biomedicina, desde sua criação em 1966. Faltou-nos coesão, defesa e, talvez, visão estratégica para proteger um campo que era nosso por direito e competência. Hoje, nossa presença nesse segmento é residual, uma memória de um passado de maior prestígio.

Os golpes recentes são ainda mais alarmantes e diretos. O ano de 2025 ficará marcado por um duro revés em nossa busca por autonomia. A tentativa de ampliar nossa atuação clínica através da prescrição de medicamentos tarjados, proposta em resolução pelo CFF, foi rapidamente judicializada e suspensa, evidenciando nossa fragilidade política e a força de lobbies contrários. A própria Resolução nº 586/2013, que fundamenta a prescrição farmacêutica, segue sob constante ataque judicial. O resultado é um impasse paralisante: não podemos avançar na prescrição e, na prática, até a indicação de MIPs (Medicamentos Isentos de Prescrição) é, por vezes, vista com desconfiança, tornando-se um ato esvaziado de sua potência clínica.

Da falta de representatividade à humilhação no balcão

A causa raiz de grande parte de nossos problemas é a nossa gritante invisibilidade política. Somos um contingente de 400 mil eleitores, um capital político imenso, mas que se dispersa a cada eleição. Não elegemos representantes. Não temos uma bancada no Congresso Nacional para lutar por nossas pautas, enquanto outras profissões da saúde demonstram, ciclo após ciclo, como a representatividade política se traduz em conquistas concretas.

Essa orfandade política ecoa diretamente em nosso dia a dia. A inexistência de um piso salarial nacional digno é a face mais cruel dessa negligência. Colegas em diversos estados, desamparados por sindicatos frágeis ou inexistentes, são forçados a aceitar salários aviltantes, por vezes próximos a um salário mínimo, para jornadas de trabalho exaustivas.

E a desvalorização não é exclusividade das pequenas farmácias. Nas grandes redes, que ostentam selos de qualidade e dominam o mercado, a situação é igualmente preocupante, ainda que mascarada por salários um pouco melhores. A autoridade técnica do farmacêutico é sistematicamente minada por gerentes de loja sem qualquer formação na área da saúde, cujo foco exclusivo é o cumprimento de metas de vendas. O farmacêutico, que deveria ser a referência de saúde para a comunidade, é rebaixado a múltiplas funções: limpa prateleiras, confere validade, gerencia o cofre e, no cúmulo da humilhação, é treinado para operar o caixa. Como prestar um cuidado farmacêutico de qualidade a um paciente idoso, polimedicado, quando se é interrompido para verificar o preço de um shampoo?

Quem olha por nós?

A farmácia como negócio evolui, adota novas tecnologias, amplia seu portfólio de produtos. Mas e o farmacêutico? Nós estamos evoluindo ou sendo sistematicamente suprimidos? A pergunta que fica neste 5 de agosto é: até quando? Até quando aceitaremos o desvio de função como rotina? Até quando assistiremos passivamente às decisões que definem nosso futuro serem tomadas por outros?

A celebração, hoje, precisa ser um ato de insurgência. Um basta à apatia. A mudança não será um presente; terá que ser uma conquista, forjada na união, na organização e na coragem. Precisamos transformar nosso número em força política. Precisamos fortalecer nossos sindicatos e conselhos. Precisamos, acima de tudo, resgatar o orgulho e a dignidade de nossa profissão, não apenas na memória histórica, mas na prática diária de cada farmácia deste país.

A reflexão está lançada. Mas ela não basta. A verdadeira questão é: qual será o seu próximo passo, colega farmacêutico, para que no próximo Dia da Farmácia tenhamos, de fato, motivos concretos para comemorar? O futuro da farmácia não está escrito. Ele está, neste exato momento, em nossas mãos.

Da autora: farmacêutica por formação, professora por vocação e mestre em Gerontologia. Antes de se dedicar ao ensino, Larissa Alana vivenciou na prática os mais diversos desafios da profissão. Sentiu a pressão do balcão em grandes redes de farmácia, conheceu os processos da indústria farmacêutica, atuou no cuidado ao paciente em hospitais e UPAs, e compreendeu a gestão macro da saúde no Ministério da Saúde. Com especializações em Farmácia Hospitalar e Clínica, Análises Clínicas e Microbiologia, além de certificação em Lean Six Sigma, ela traz uma visão 360º sobre os obstáculos e o futuro da farmácia no Brasil.

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O Autor

A Inspifar é uma instituição de ensino especializada em cursos de pós-graduação na área da Farmácia. Com foco em capacitação técnica e científica, oferecemos formações atualizadas e voltadas para o mercado, preparando farmacêuticos para se destacarem em um setor em constante evolução. Nosso compromisso é impulsionar carreiras por meio de conhecimento de qualidade e práticas alinhadas às exigências da profissão.

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