Um custo de R$ 7 bilhões por um benefício incerto: a análise crítica da semaglutida no SUS
A semaglutida, comercializada sob nomes como Ozempic e Wegovy, tornou-se uma opção de tratamento amplamente utilizada para a obesidade. Diante de sua disseminação e do debate público, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) iniciou uma análise técnica detalhada para avaliar os dados de eficácia, segurança e custo do medicamento, visando decidir sobre sua possível oferta no sistema público.

A avaliação focou em um grupo muito específico:
pacientes com obesidade graus II e III (IMC ≥ 35 kg/m²), sem diabetes, com 45 anos ou mais e com doença cardiovascular já estabelecida.
Em maio de 2025, a Conitec emitiu sua recomendação preliminar:
desfavorável à incorporação. Mas por quê? Vamos entender os principais pontos de eficácia, segurança e os motivos por trás dessa decisão.
Os pontos positivos: a eficácia comprovada
A análise da Conitec se baseou principalmente no estudo clínico SELECT, que trouxe resultados robustos. A semaglutida demonstrou ser superior ao placebo em diversos aspectos importantes:
- Redução de eventos cardiovasculares: o medicamento reduziu em 20% a ocorrência de eventos cardiovasculares adversos maiores (como infarto não fatal, AVC não fatal e morte cardiovascular).
- Perda de peso significativa: os pacientes que usaram a semaglutida tiveram uma perda de peso média de 9,39%, enquanto o grupo placebo perdeu apenas 0,88%.
- Melhora em outros parâmetros: houve melhora significativa na pressão arterial e no perfil de colesterol dos pacientes.
O “ponto cego” da eficácia: onde o benefício falhou
Apesar dos ótimos resultados gerais, um detalhe foi determinante para a decisão. Ao analisar especificamente os subgrupos de pacientes que seriam o alvo do SUS (aqueles com IMC acima de 35 kg/m²),
a semaglutida não demonstrou uma redução estatisticamente significativa nos eventos cardiovasculares.
Em outras palavras, para a população exata que o SUS pretendia tratar, o principal benefício cardiovascular do medicamento não foi comprovado de forma conclusiva no estudo.
O perfil de segurança: uma faca de dois gumes
A segurança do medicamento também apresentou um cenário misto:
- Menos eventos graves: pacientes tratados com semaglutida tiveram uma incidência menor de eventos adversos graves em comparação ao grupo placebo, especialmente menos desordens cardíacas.
- Maior taxa de abandono: por outro lado, a taxa de descontinuação do tratamento foi o dobro no grupo que usou a semaglutida (16,6% contra 8,2%). O principal motivo para o abandono foram as desordens gastrointestinais (náusea, vômito, diarreia), que são efeitos colaterais muito comuns.
Os 3 motivos oficiais para a não incorporação no SUS
A decisão unânime do comitê da Conitec se baseou em três pilares principais:
- Custo-Efetividade elevada: a análise do governo concluiu que o benefício clínico oferecido, sobretudo com as incertezas para o público-alvo, não justificava o alto custo do medicamento. O valor para cada “ano de vida ajustado por qualidade” ganho foi estimado em cerca de R$ 300 mil, muito acima do que o SUS considera viável.
- Impacto orçamentário gigantesco: a incorporação da semaglutida representaria um gasto extra enorme para o sistema de saúde. A análise realizada pelo Núcleo de Avaliação de Tecnologias em Saúde (NATS) estimou um impacto de R$ 6,8 bilhões em cinco anos.
- Incerteza sobre o tempo de uso: o fabricante propôs um modelo econômico baseado em apenas dois anos de tratamento. No entanto, especialistas e a própria bula não preveem um limite de tempo, e a experiência de pacientes mostra que o peso é frequentemente recuperado após a interrupção do uso. Essa incerteza sobre o uso contínuo torna o custo a longo prazo imprevisível e ainda maior.
Em resumo, embora a semaglutida seja uma ferramenta farmacológica relativamente eficaz, sua incorporação no SUS foi barrada, preliminarmente, por uma combinação de benefício clínico não comprovado no público-alvo principal, alto índice de abandono por efeitos colaterais e, principalmente, um custo considerado insustentável para o sistema público de saúde.
Autora: Larissa Alana, farmacêutica e professora, possui experiência em indústria farmacêutica, drogarias de grandes redes, Unidades de Pronto Atendimento (UPA), hospitais e Ministério da Saúde. É mestre e especialista em Farmácia Hospitalar, Clínica e Oncologia.
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