Além do balcão: como a cultura organizacional silenciosamente adoece a profissão farmacêutica
Por Larissa Alana, Docente do Curso de Pós-Graduação da Inspifar
A revelação, em setembro de 2025, de um grave caso de racismo ocorrido em 2018 com uma atendente (Noemi Ferrari de Santo André – SP) de uma grande rede de drogarias, nos força a uma reflexão mais profunda. O hiato de sete anos entre o incidente e sua exposição pública é, por si só, um diagnóstico. Ele demonstra que o problema não é apenas o ato de discriminação, mas a existência de uma cultura organizacional que pode ter falhado em oferecer canais seguros e eficazes para denúncia, permitindo que uma violação grave permanecesse latente por tanto tempo.
A verdade é que a cultura de uma empresa não é o que está escrito em seus pôsteres de “missão e valores”. É o que acontece de verdade nos corredores e balcões — é o que a liderança tolera. Quando atitudes antiéticas são ignoradas, cria-se um terreno fértil para que outras formas de desrespeito e desvalorização se tornem normais.
E é aqui que um problema crônico da nossa profissão se encaixa perfeitamente: o desvio de função.

Se o desrespeito explícito é um grito, o desvio de função é um silêncio constante que muitos de nós fomos condicionados a aceitar. Pense bem: o farmacêutico passa anos em uma formação complexa para ser um gestor do cuidado, o especialista do medicamento. E, no dia a dia, qual é a realidade de muitos?
Somos treinados pela própria gestão para operar o caixa, organizar prateleiras de cosméticos e gerenciar o estoque de produtos que nada têm a ver com saúde. Tudo isso sob o disfarce de “vestir a camisa da empresa” ou “ser um profissional multifuncional”.
Vamos chamar isso pelo que realmente é: a subutilização programada do nosso conhecimento.
É um recado claro de que, para aquela cultura corporativa, a operação de varejo é mais importante que a assistência farmacêutica. O profissional de saúde, que deveria ser um ativo intelectual, é rebaixado à condição de um custo operacional a ser otimizado.
Quais as consequências disso?
- Para o profissional: uma legião de farmacêuticos frustrados, desmotivados e à beira do esgotamento (burnout). A desvalorização não é apenas salarial, mas, principalmente, intelectual.
- Para a sociedade: a população perde o acesso qualificado ao profissional de saúde que está mais perto dela, transformando a farmácia em um simples ponto de venda, e não em um estabelecimento de saúde.
No fundo, a luta contra o desrespeito explícito no balcão e a luta contra o desvio de função partem da mesma necessidade: um ambiente de trabalho que valorize o ser humano, seja por quem ele é, seja pelo conhecimento que ele carrega.
Como educadora, minha missão é formar farmacêuticos conscientes do seu imenso valor. A farmácia não pode ser um lugar que adoece, nem quem busca ajuda, nem quem trabalha nela. A cura para essa cultura tóxica exige mais do que indignação pontual. Exige ação.
Isso significa uma ação coordenada: pressionar as empresas por uma gestão responsável; acionar nossos conselhos de classe e sindicatos para que atuem com mais rigor; e, acima de tudo, agir como categoria, usando os canais legais disponíveis, incluindo a formalização de denúncias ao Ministério do Trabalho e Emprego, para não normalizar o que é inaceitável.
Afinal, a nossa dignidade e o valor do nosso conhecimento não são negociáveis. Isso significa reafirmar, todos os dias, que nosso lugar é ao lado do paciente, gerando impacto real na saúde pública como clínicos — e não em funções básicas que nos desviam desse cuidado. Nosso conhecimento foi feito para salvar vidas, não para organizar prateleiras.
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Respostas de 2
Concordo com esse artigo, infelizmente não somos valorizados nas drogarias brasileiras. Farmacêutico tem que fazer até limpeza da drogaria. Assistência Farmacêutica fica esquecida ,a nossa importância , vontade de ajudar os clientes totalmente abandonadas devido o cansaço e falta de estímulo
Concordo plenamente, e cabe acrescentar que os farmacêuticos estão cada vez mais adoecidos e desvalorizados. Triste realidade, ja imaginou um medicamento passando um pano em seu consultório? Lamentável isso!